sábado, 18 de outubro de 2008

A velha história - cap. 1

Acordou cedo e ligou o computador antes mesmo de escovar os dentes. Aquela máquina já ultrapassada, que tinha recebido vários upgrades demorava alguns minutos até ficar no ponto para ser usada.
Escovou os dentes, fez um café e tirou o pijama, tentando mostrar certa tranquilidade, meio que querendo disfarçar para si mesma a ansiedade.
Finalmente o café ficou pronto e o computador também. Entrou no msn e tomou um gole de café, esperando que sua amiga aparecesse entre os on-line.
Ainda ontem as coisas haviam sido diferentes para Ester. Geralmente não entrava na internet antes das 14 horas, quando já estava no trabalho. Mas quando por acaso recebeu um email de uma amiga pedindo que entrasse no msn naquela manhã, tudo mudou.
Passou a noite pensando na amizade das duas e em todas as outras amizades que ficaram para trás, desde que saiu de Curitiba e voltou para sua cidade natal, Vitória.
E agora, quase uma década depois, havia voltado para Curitiba, mas não tinha mais como encontrar seus velhos amigos.
Por isso ficou feliz quando viu aquele email, mal podia acreditar.
E então, apareceu na tela uma mensagem pedindo que ela aceitasse outro usuário em sua lista de contatos.
" É ela", pensou. Abriu um sorriso infantil quando leu no monitor a primeira mensagem:"Hola, chica!". Era Joana.
Começaram o papo animadas, querendo marcar um reencontro, matar as saudades e colocar em dia os acontecimentos dos últimos oito anos. Mas Joana estava morando em Santiago, capital do Chile, há alguns anos. Na verdade, tempo suficiente para já misturar as palavras em português e espanhol.
Filha de baianos, Joana era uma pessoa humilde, com pouco estudo e poucas chances na vida. Perdeu a mãe quando tinha apenas 8 anos e foi criada pelo pai. Com 16 anos saiu da Bahia e foi sem rumo descendo o Brasil, até parar em Curitiba. Foi quando conheceu mestre Tomé e a capoeira.
Sua vida mudou, aprendeu a ter disciplina e logo era uma das melhores do grupo. Aquilo era sua vida e o reconhecimento que tinha dos demais integrantes alimentava seus sonhos de um dia ter seus alunos e repassar tudo o que havia aprendido com Tomé.
Por isso, quando surgiu a oportunidade de dar aulas de capoeira no Chile, ela foi. Mas era uma roubada. Passou dificuldades, passou fome, passou frio.
Mas depois que conheceu Martín, as coisas melhoraram. Casada com um chileno podia trabalhar legalmente e ter uma vida melhor. Assim foi e continua sendo. O casamento acabou, mas Joana já sabia como se virar. Finalmente tinha realizado o sonho de ter um grupo de capoeira. Não dava muita grana, mas era sua paixão. E ela fazia uns bicos para completar a renda.
- Fico feliz que esteja bem, Joana. Depois de todos esses anos sem notícias, é bom saber que deu tudo certo.
- É, ainda preciso batalhar, mas aquela mocinha que saiu da Bahia já não tem mais medo do mundo.
Joana era uma pessoa diferente. Gostava de desafiar seus medos. Tudo que a amedrontava, ela encarava. Dizia que era a única coisa que lembrava de sua mãe: " minha filha, quando tiver medo do escuro, levante-se e acenda a luz". E assim, ela ia acabando com seus medos, sempre levantando e acendendo a luz.
(continua)

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