segunda-feira, 19 de maio de 2008

Desperdício, descaso e a novela das oito

Esse mundo está perdido mesmo.
Além da fúria da natureza, com a qual teremos que nos acostumar já que ninguém quer parar de poluir - fúria, aliás, que só aumenta- temos também a crescente onda de violência, de abandono, de fome.
E isso é mais revoltante quando se tem notícia de fatos como o que li hoje cedo no BlueBus: nos Estados Unidos, 27% da comida disponível é jogada no lixo. Fiquei chocada.
Por curiosidade, fui atrás dos números aqui no Brasil e quase caí pra trás: 40%.
Sim, quase metade do que é produzido é jogado fora. Quase 14 milhões de brasileiros passam fome.É um absurdo. Uma monstruosidade.
E isso acontece por causa de uma lei federal, que pune com até cinco anos de detenção quem oferecer comida em condições inapropriadas para consumo.
Os donos de estabelecimentos comerciais dizem que muita coisa que é jogada no lixo não está estragada, mas não querem correr o risco, porque ao doar comida boa , não têm como saber se vai ser armazenada de maneira correta ou não. E se quem comer passar mal, a culpa é do doador, não importa se quem comeu não guardou ou manuseou corretamente o alimento.
Dá muita pena saber que joga-se fora o que poderia alimentar boa parte da população brasileira.
Acho que com um pouco de organização e boa vontade, é possível reverter esse quadro.
O povo brasileiro, e me incluo nesse meio, precisa parar de olhar os problemas de longe e se envolver. Indignar-se apenas e mudar de assunto não basta. Precisamos entender que reclamar não é suficiente.
Todos apontam o dedo para os problemas, mas ninguém caminha para uma solução. Ninguém se levanta do sofá para fazer algo.
A indignação no nosso país termina quando começa a novela das oito e todos se esquecem do noticiário e vão ser " felizes para sempre".

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Amargor

Quando acordou, naquela manhã ensolarada, Carol já estava rica, mas não sabia.

Abriu os olhos lentamente, olhou pela janela e pensou: "mais um dia quente e abafado”.

Levantou-se de mau humor com aquela constatação. Escovou os dentes, tomou banho e comeu alguma coisa, nada muito pesado, pois estava de dieta.

Aliás, Carol estava sempre de dieta. E de mau humor. Porque todas as manhãs eram ensolaradas, quentes e abafadas naquele canto do mundo, a capital do Rio de Janeiro. “Cidade maravilhosa, hunf, isso aqui é o inferno”.

Achava que não tinha sorte na vida e nada mudaria isso.

Saiu de casa sem dar importância ao pequeno papel com seis números marcados e seguiu rumo ao trabalho, que por sinal era muito cansativo, desestimulante e sem graça, como tudo em sua vidinha medíocre. Carol não sabia, mas naquele momento ela já estava milionária.

E sempre que avistava aquele edifício chique e todo envidraçado, suspirava desanimada e pensava: “eu desejei tanto esse emprego, mas ele é como todos os outros”. No fundo, já sabia que, se fosse coisa boa, não seria para ela.

Guardava seu carro em uma das vagas reservadas aos funcionários da Mirror – Carol era diagramadora em uma das maiores editoras do país, apesar de não entender o motivo daquela droga de lugar ser tão desejado - e murmurava, enquanto saía do carro: “não sei por que paguei tão caro por essa porcaria com quatro rodas, o ar condicionado é péssimo, ou não esfria ou esfria demais, nunca consigo achar um meio termo. E esses bancos de couro grudam na pele, um horror”.

E finalmente Carol pegava o elevador e ia trabalhar. De mau humor. Subia pelo de serviço para não encontrar nenhum colega de trabalho no percurso. “São todos uns falsos, aposto que falam de mim pelas costas”. Para eles, ela era Carolina, Carol era só para os íntimos e, com exceção de seus pais, ninguém era íntimo de Carol.

No final do dia, fazia tudo de novo, mas na ordem inversa. Descia pelo elevador até a garagem, entrava em seu carro detestável, saía daquele prédio medonho, cheio de pessoas antipáticas, que nunca sorriam para ela e ia pra casa jantar. Algo leve, pois estava de dieta.

De tão acostumada com sua rotina, olhou com desprezo para o recibo de aposta da casa lotérica em cima da mesa de jantar. Era azarada demais para ganhar uma fortuna e apesar de apostar toda semana nos mesmos números, nunca havia ganhado nem um centavo. Na verdade, nem perdia seu tempo checando os números sorteados, vencer não era para ela. Para Carol, só restava a rotina.

Ela acreditava que seu nome era muito simples, comum. “Tem música, artista famosa, tem de tudo com o meu nome. Não dá para ser feliz com um nome que todo mundo tem”. E por isso odiava seus pais.

E os culpava por toda uma vida de azar. Tudo estava errado e a culpa era deles, dos pais de Carol.

“Se, pelo menos tivesse sorte no amor”, resmungou ao amassar o maldito papel com as dezenas sorteadas.

Mas não, seus ex-namorados eram cheios de defeitos insuportáveis. Os inteligentes eram feios, os bonitos certamente a teriam traído, ou eram pobres.

E assim, tentando entender o que havia feito para merecer tudo aquilo, jogou a pequena bola de papel na lixeira cromada que provavelmente era mercadoria contrabandeada, pois o preço estava bom demais para ser verdade.

Surpreendentemente, Carol não sentia pena de si mesma. “Tem que ser muito forte para aguentar essa vida miserável”. Afinal, se toda aquela infelicidade não era culpa dela, seus sentimentos, esses ela podia controlar. E havia decidido que não sentiria pena de si mesma.

“Não há nada para mim nesse mundo de Deus”, lamentou-se ao deitar em sua cama king size, que havia custado “ os olhos da cara”, mas não era nada demais, " até meio mole, péssimo para minhas costas".

No dia seguinte, outra manhã ensolarada, Carol repetiu toda a sua sina, pensou os mesmos pensamentos, xingou mentalmente sua cidade natal e comeu algo leve, pois estava de dieta. Mas antes de chegar ao escritório resolveu parar na lotérica que ficava na esquina do edifício envidraçado. “Provavelmente é mais dinheiro desperdiçado”, pensou, ao marcar as mesmas dezenas de sempre.