quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A velha história - cap. 3

Ester ficou ali lendo tudo que Joana contava, meio atônita, meio incrédula. " Será que tudo isso aconteceu em oito anos? Como alguém pode ter vivido tantas coisas em tão pouco tempo?"
Pensava assim porque nesse mesmo período tão crucial para Joana, Esterpouco havia feito. Se formou na faculdade, tomou uns porres, trocou de emprego algumas vezes. E sua antiga amiga agora lhe jogava na cara uma realidade dura mas que lhe deixou com inveja. " Nunca precisei fazer nada que não quisesse, nunca passei fome. Nunca dei valor a tudo que tenho porque tudo que tenho, não foi conquistado."
Ester se perdeu um pouco em seus pensamentos, questionando se sua vida era de fato melhor que a de Joana. A amiga, que tão pouco tinha, aproveitava todos os momentos com intensidade, com a cara limpa, sem medo.
" Preciso ir, estou em uma lan house e meu tempo acabou. Amanhã nesse mesmo horário eu volto pra te contar dos filhos de mestre Tomé, você não vai acreditar." Joana se foi do mesmo jeito que chegou, de repente.
Mal conseguiu trabalhar naquela tarde. Não pode dormir naquela noite. Só pensou em tudo, nas coisas que sua velha amiga havia contado, naquela velha história. Pensava em como suas realidades tinham sido diferentes, como suas vidas tinham mudado depois de alguns anos sem se verem.
" Rumos opostos", repetia baixinho.
E na manhã seguinte, repetiu o mesmo ritual, inclusive fingindo que não estava ansiosa. Ligou o computador, escovou os dentes, fez café e se sentou para encontrar Joana.
Viu que ela já estava on-line e ainda esperou uns minutos para finalmente falar com a amiga.
" Buenos dias", arriscou, já sem certeza se dias em espanhol tinha acento. Joana demorou alguns segundos e finalmente respondeu: " Buenos días". " Sim, tinha acento" pensou Ester esboçando um sorriso.
" Então, lembra dos filhos de mestre Tomé?", apareceu em seguida na pequena tela do bate papo virtual.
Ester tinha algumas recordações das três crianças. Solange, de 14 anos parecia que seguiria os passos do pai e teria futuro na capoeira. Jogava bem e derrubava oponentes maiores, mais graduados e até homens. Se orgulhava disso, de não ser capoeirista pra jogar só com mulher.
Síntia, assim mesmo, com S, tinha onze anos e vivia uma vida despreocupada. Sempre debochada mas muito inteligente e espirituosa, fazia piadas de tudo e todos.
Sérgio, o caçula, tinha oito anos e parecia estar sempre em outra dimensão. " Acho que no fundo, ele não se importava com aquele carnaval todo."
De fato, a vida na casa de Tomé não era normal. ele e a esposa viviam discutindo por causa das constantes traições do mestre.
" E agora, depois de tanto tempo, como será que estão todos?", pensava Ester.
" Solange casou aos 15 com o dono de uma lanchonete ao lado da academia. Viveram felizes para sempre, mas o 'para sempre' não durou nem um ano e só serviu para dar a ela um filho e uns hematomas. Ela apanhava tanto do rapaz que Tomé chegou a ser preso por espancar o canalha. Depois que se separou, voltou para a casa dos pais mas não se adaptou e saiu logo depois. Foi tomar conta da vida e deixou o filho para a mãe criar."
Ester estava pasma. Sabia que aquela família tinha problemas, mas nunca imaginou nada assim, tão chocante.
E antes mesmo que pudesse esboçar qualquer reação, antes que pudesse digitar qualquer palavra de surpresa, veio a bomba em letras vermelhas, maiúsculas : " VIROU PUTA".