Que bom. Alguém nesse País respeita minha personalidade, pensei, com um sorrisinho debochado nos lábios.
No mesmo dia, saindo de casa rumo ao dentista, encontrei a vizinha perua do 14 no corredor enquanto esperava o elevador. Sabendo que meu irmão mora na África do Sul, ela começa a conversa: “que coisa horrível está acontecendo lá na África do Sul, né?”.
“É”. Não estava afim. Confesso que geralmente não estou. Mas ela estava querendo conversa. “Ele está em que cidade?”. “Joanesburgo, exatamente onde aconteceram os incidentes”, respondi.
Veja bem, moro no primeiro andar e esse foi o preço que paguei pela preguiça de descer pelas escadas.
Ela continuou falando algo sobre racismo, preconceito, xenofobia.Foi rápido, menos de dois minutos e o elevador chegou. Dentro dele, outra surpresa: o vizinho policial, com o jornal debaixo do braço e um bocado de opiniões na ponta da língua. “Bom dia, que frio, hein? Parece até que moramos em Curitiba!”, falou, rindo sozinho.
“Bom dia” respondeu a vizinha. Eu balbuciei outro “é”. Falar o quê? Rir de quê?
Logo o elevador chegou ao térreo e segui minha vida, mas ainda deu tempo de escutar os dois vizinhos conversando sobre o assunto do momento na cidade: um estabelecimento novo proibiu a entrada de pessoas da periferia, escolhendo quem entra ou não de acordo com as roupas que elas usam.
Sim. É exatamente aquele lugar que respeita minha personalidade.
E o pior foi escutar a voz da vizinha dizendo que “tem que proibir mesmo. Esses maloqueiros só querem saber de beber e roubar, de fazer baderna”. O vizinho concordando. O porteiro se calando, meio envergonhado por não ter um terno decente para visitar o shopping novo.
Nesse momento deu vontade de voltar. Vale lembrar aqui que moro em um bairro considerado nobre e de gente rica, mesmo que grande parte dos moradores não seja tão nobre assim (mas isso é coisa pra outro artigo), nem tão rica - e nesse ponto eu me incluo. Não voltei. Estava atrasada e com o humor no dedinho do pé, coisa boa não ia ser. Também é bom esclarecer que o tal shopping classe A está em um bairro de classe C e D, ao lado de um terminal de ônibus. Era algo que poderia ser previsto.
Mas enfim, Joanesburgo e Curitiba, não seriam dois casos de preconceito? De racismo?
Porque é inaceitável na África do Sul e aqui, do nosso lado é até um exemplo a ser seguido?
Lá estão expulsando estrangeiros por estarem "roubando" seus empregos e aqui, estão expulsando consumidores por estarem "roubando" seu status de gente bacana.
Talvez um dia as pessoas entendam que apesar de algumas coisas, como cultura, serem singulares, diferentes, únicas em cada país, outras coisas são sempre iguais, tem sempre o mesmo significado.
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