Abriu os olhos lentamente, olhou pela janela e pensou: "mais um dia quente e abafado”.
Levantou-se de mau humor com aquela constatação. Escovou os dentes, tomou banho e comeu alguma coisa, nada muito pesado, pois estava de dieta.
Aliás, Carol estava sempre de dieta. E de mau humor. Porque todas as manhãs eram ensolaradas, quentes e abafadas naquele canto do mundo, a capital do Rio de Janeiro. “Cidade maravilhosa, hunf, isso aqui é o inferno”.
Achava que não tinha sorte na vida e nada mudaria isso.
Saiu de casa sem dar importância ao pequeno papel com seis números marcados e seguiu rumo ao trabalho, que por sinal era muito cansativo, desestimulante e sem graça, como tudo em sua vidinha medíocre. Carol não sabia, mas naquele momento ela já estava milionária.
E sempre que avistava aquele edifício chique e todo envidraçado, suspirava desanimada e pensava: “eu desejei tanto esse emprego, mas ele é como todos os outros”. No fundo, já sabia que, se fosse coisa boa, não seria para ela.
Guardava seu carro em uma das vagas reservadas aos funcionários da Mirror – Carol era diagramadora em uma das maiores editoras do país, apesar de não entender o motivo daquela droga de lugar ser tão desejado - e murmurava, enquanto saía do carro: “não sei por que paguei tão caro por essa porcaria com quatro rodas, o ar condicionado é péssimo, ou não esfria ou esfria demais, nunca consigo achar um meio termo. E esses bancos de couro grudam na pele, um horror”.
E finalmente Carol pegava o elevador e ia trabalhar. De mau humor. Subia pelo de serviço para não encontrar nenhum colega de trabalho no percurso. “São todos uns falsos, aposto que falam de mim pelas costas”
No final do dia, fazia tudo de novo, mas na ordem inversa. Descia pelo elevador até a garagem, entrava em seu carro detestável, saía daquele prédio medonho, cheio de pessoas antipáticas, que nunca sorriam para ela e ia pra casa jantar. Algo leve, pois estava de dieta.
De tão acostumada com sua rotina, olhou com desprezo para o recibo de aposta da casa lotérica em cima da mesa de jantar. Era azarada demais para ganhar uma fortuna e apesar de apostar toda semana nos mesmos números, nunca havia ganhado nem um centavo. Na verdade, nem perdia seu tempo checando os números sorteados, vencer não era para ela. Para Carol, só restava a rotina.
Ela acreditava que seu nome era muito simples, comum. “Tem música, artista famosa, tem de tudo com o meu nome. Não dá para ser feliz com um nome que todo mundo tem”. E por isso odiava seus pais.
E os culpava por toda uma vida de azar. Tudo estava errado e a culpa era deles, dos pais de Carol.
“Se, pelo menos tivesse sorte no amor”, resmungou ao amassar o maldito papel com as dezenas sorteadas.
Mas não, seus ex-namorados eram cheios de defeitos insuportáveis. Os inteligentes eram feios, os bonitos certamente a teriam traído, ou eram pobres.
E assim, tentando entender o que havia feito para merecer tudo aquilo, jogou a pequena bola de papel na lixeira cromada que provavelmente era mercadoria contrabandeada, pois o preço estava bom demais para ser verdade.
Surpreendentemente, Carol não sentia pena de si mesma. “Tem que ser muito forte para aguentar essa vida miserável”. Afinal, se toda aquela infelicidade não era culpa dela, seus sentimentos, esses ela podia controlar. E havia decidido que não sentiria pena de si mesma.
“Não há nada para mim nesse mundo de Deus”, lamentou-se ao deitar em sua cama king size, que havia custado “ os olhos da cara”, mas não era nada demais, " até meio mole, péssimo para minhas costas".
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